Árvore típica do Sul poderá chegar perto da extinção nas próximas décadas

Estudo indica que mudanças climáticas do século 21 tendem a deixar apenas 3,5% de florestas remanescentes até 2070, afetando diretamente as araucárias.

28/10/2019

Por Clic Paverama | contato@clicpaverama.com.br | Clic do Vale
Em Agricultura e Meio Ambiente

Fóssil vivo, representante de uma era de mais de 300 milhões de anos atrás na linha geológica do tempo, a araucária está correndo sério perigo. A árvore é típica das florestas do sul do Brasil, onde predomina o clima ameno, com invernos frios e bastante umidade — e são justamente essas condições, que favorecem o nascimento e o desenvolvimento da planta, que devem ser abaladas, ameaçando a sobrevivência das florestas. Com o aquecimento global, o ambiente ideal para a Araucaria angustifolia ficará descaracterizado, o que pode significar a perda de até 96% dos territórios com condições de abrigar o vegetal. A intensa exploração madeireira é outro grande fator que contribuiu para a previsão tão negativa. 

Estudo recente publicado na revista Global Change Biology alerta que o hábitat mais adequado deve quase desaparecer até o ano de 2070. "A mudança climática do século 21 deixará apenas 3,5% de florestas remanescentes", relata a pesquisa, um trabalho resultante da cooperação entre o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina e instituições do Exterior. 

As principais regiões onde a árvore está presente são o norte do Rio Grande do Sul e os planaltos catarinense e do Paraná. Desde 2007, vem sendo realizado um censo das araucárias. Em Santa Catarina, primeiro Estado a começar e a concluir a coleta de dados, mais de 500 pontos são visitados periodicamente. As árvores são contadas, e aspectos como altura, diâmetro e saúde do vegetal, monitorados. 

Alexander Christian Vibrans, engenheiro florestal e professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb), um dos autores da pesquisa divulgada no periódico internacional, cita estimativas do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), braço das Nações Unidas dedicado a observar a ciência que envolve as oscilações do clima: a temperatura aumentou mais de 1ºC grau nos últimos cem anos e tende a subir ainda mais neste século. Até 2100, o acréscimo deve ficar entre 2ºC e 6ºC em relação a 1900. Considerando-se uma perspectiva otimista, a elevação ficaria em 2ºC. Com uma previsão pessimista, chegaria a 6ºC, enquanto 4ºC representariam uma subida de nível intermediário. Se nada for feito, o cenário que se pode prever é desolador.

— Haverá uma redução muito drástica da área de sobrevivência da araucária. As florestas vão se retrair a pequenas manchas. Quanto menor a área de ocorrência da árvore, menor a variabilidade genética. Ou seja, parentes muito próximos vão cruzar, e isso é ruim. Os descendentes terão deficiências, haverá redução da riqueza genética — explica Vibrans. 

— É difícil falar em extinção porque a área é muito grande, mas a sobrevivência será muito prejudicada. A araucária não terá condições de competir com outras árvores mais adaptáveis às futuras condições climáticas. Será difícil ela se regenerar em um clima mais quente e mais úmido — acrescenta o engenheiro.

Campos de Cima da Serra:

Com a diferença nos termômetros, novas áreas, onde normalmente não há araucárias, passarão a ter condições adequadas para a árvore, como os campos naturais — no Rio Grande do Sul, por exemplo, os Campos de Cima da Serra. 

— As araucárias têm capacidade de se expandir para onde hoje não existem, desde que essas áreas não sejam ocupadas por agricultura, reflorestamento ou expansão urbana. Mesmo assim, a área total de ocorrência vai diminuir — afirma Vibrans.

Impacto na erva-mate:

Gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, André Ferretti chama a atenção para outra modificação importante no ecossistema. A erva-mate, ingrediente protagonista no cotidiano da população gaúcha, costumava crescer perto das araucárias — com a diminuição das araucárias, a erva-mate é diretamente afetada. Isso já mudou há décadas, segundo Ferretti:

— Hoje boa parte da erva não é mais produzida embaixo das florestas, mas plantada a pleno sol, como se fosse uma roça de café ou laranja. A qualidade da erva não é a mesma de antes. O sabor é diferente, a qualidade inferior. 

Existem mais de duas centenas de espécies nas regiões de florestas de araucárias, informa Vibrans. Esses exemplares também podem estar ameaçados pelo aquecimento. A saída para tentar reverter o quadro, de acordo com o engenheiro florestal, depende de os governos reconhecerem as mudanças climáticas como um problema e conduzirem a implementação de políticas públicas nesse sentido. É indispensável reduzir a emissão de gases — principalmente os de combustíveis fósseis — e plantar araucárias, especialmente em locais resilientes (menos impactados pela variação de temperatura).

— Para reflorestar, precisamos de fonte de sementes. É importante proteger áreas onde ocorrem araucárias porque as sementes saem dali. Quanto mais protegermos essas áreas, mais fontes de sementes teremos — orienta o professor da Furb, salientando que esse plantio deve ser feito com planejamento, em grande escala, e não a nível doméstico. 

— Elas protegem o solo e os mananciais de água. Sem floresta, não temos água, não temos precipitação. Também é importante por sua beleza, pela matéria-prima que pode gerar e pelas sementes e frutos que nós e outros animais consomem — completa Vibrans, com destaque para os pinhões, que alimentam principalmente o papagaio-charão, também responsável pela dispersão das sementes. 

Ferretti também menciona a necessidade urgente da redução da emissão de gases e da ampliação das florestas, além de sugerir a criação de parques públicos e corredores ecológicos — faixas de vegetação, como se fossem estradas, que conectam uma área de floresta a outra. 

— Se tiver, entre dois blocos de floresta, algumas árvores da mesma espécie, já facilita a conexão genética entre esses blocos. O pólen vai passando de uma para a outra — diz o representante da Fundação Grupo Boticário, que incentiva o incremento do turismo em propriedades com araucárias, onde os visitantes possam fazer trilhas e degustar pinhão e erva-mate locais. 

Se nada for feito, lamenta Vibrans, a flora nacional será vítima de um grande baque com o sumiço de um elemento tão icônico:

— A paisagem vai mudar.

Saiba mais sobre as araucárias:

  • Característica das regiões de planalto do sul do Brasil, a Araucaria angustifolia precisa de clima frio e úmido.
  • São árvores longevas, que podem viver até 500 anos. Beneficiam-se de lugares abertos, como campos e clareiras, pois precisam da luz do sol para sua reprodução. Em bosques muito densos, essas árvores não se regeneram.
  • O processo de regeneração tem início quando as sementes caem no chão, são dispersadas por pássaros ou enterradas por roedores. A partir daí, nascem as novas plantas, que se vão crescendo ao longo dos anos. 
  • As araucárias podem atingir até 45 metros de altura, mas as que são vistas hoje em dia alcançam, em média, até 20 metros, decorrência de um período de intensa exploração da madeira. As árvores atuais são jovens, com diâmetro entre 30 e 50 centímetros, enquanto um exemplar maduro atinge até dois metros de diâmetro. 
  • De todas as florestas com araucária restantes no Sul, cerca de 54% ficam no Paraná, 35% em Santa Catarina e 9,8% no Rio Grande do Sul. 
  • No território gaúcho, os pontos com mais árvores estão em Cambará do Sul, São Francisco de Paula, Maquiné, Riozinho, Canela, Caxias do Sul, Parque Estadual de Nonoai e Floresta Nacional de Passo Fundo.

Gaúcha ZH