Protetor solar: o que está por trás do preço e quem tem direito gratuito ao produto
Produto já foi tema de inúmeros projetos de lei de parlamentares brasileiros.
24/01/2024
Por @ClicPaverama | contato@clicpaverama.com.br | Clic do Vale
Em Saúde e Bem-estar
Um dos itens fundamentais para a saúde pode ser considerado artigo de luxo para uma grande parte da população. O protetor solar de 200ml mais em conta hoje no Brasil tem preço médio de R$ 40.
É consenso na comunidade médica que o cosmético é a chave na prevenção ao câncer de pele – o mais registrado entre os brasileiros –, mas ele não é distribuído no Sistema Único de Saúde (SUS) para nenhum grupo. De acordo com a Anvisa, são 3.153 produtos protetores solares registrados no Brasil.
Mas, afinal, o que explica o custo?
Pelo menos dois fatores estão por trás do preço que chega nas prateleiras. O primeiro deles é o alto custo para testes e registros na Anvisa, que são obrigatórios para que as indústrias cosmética e farmacêutica registrem e comercializem o produto.
“Quando falamos em produtos que vão mexer com a saúde ou que induzem o consumidor a tratar alguma queixa específica, precisamos ter algum tipo de comprovação”, explica Franciele Kich Giongo, biomédica esteta, mestre em Farmacologia e Terapêutica pela Ufrgs. Esse processo é diferente para os cosméticos de risco menor, como talcos, shampoos, etc.
As comprovações de exigência e eficácia podem ser comprovadas em uma série de testes aceitos pela Anvisa. “Precisamos saber se o protetor solar não vai causar nenhum tipo de alergia, se está me protegendo. É um processo demorado e caro também.”
Nesta conta, Franciele elenca algumas possíveis despesas: pessoas voluntárias para os testes, reagentes importados para execução de técnicas, tecnologias específicas, além do tempo de trabalho em laboratórios. E detalhe: caso haja qualquer modificação na fórmula ou na embalagem do produto, o trabalho precisa ser refeito.
O custo de testes comprobatórios e regulatórios também foi apontado pela dermatologista Juliana Kida Ikino, que é presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia na regional de Santa Catarina. Ela destacou a seriedade e importância da Anvisa neste processo. “É uma agência que realmente funciona. Acaba que encarece também para indústria o desenvolvimento de testes. Talvez daqui alguns anos, com quebras de patentes e tudo mais, pode ser que barateie.”
O segundo fator que está por trás do encarecimento do produto é referente aos impostos que incidem sobre os insumos utilizados na fabricação. A redução a zero da alíquota de ICMS, PIS e COFINS já foi alvo de diversos projetos de lei na Câmara de Deputados. Eles acumularam e nenhum foi adiante.
Da mesma forma, não foram poucos os deputados que tentaram mudar a regulamentação para que o protetor solar fosse classificado como medicamento e não cosmético, e, assim, pleitear a diminuição de impostos e até incluir o produto no SUS. Nenhum desses projetos teve sucesso.
O que muda se o protetor solar for classificado como medicamento?
Em resposta às sugestões dos parlamentares, um documento elaborado pela consultoria legislativa da Câmara dos Deputados foi publicado em 2010. Seis “inconveniências” foram apresentadas nele:
i) tornaria mais onerosa a sua produção, tendo em vista que os custos regulatórios são bem maiores para os medicamentos do que para os cosméticos;
ii) dificultaria o seu acesso, pois os protetores solares deveriam obedecer a extensa e rigorosa regulamentação do comércio e distribuição de medicamentos;
iii) estaria sujeito à orientação médica e somente poderia ser vendido em farmácias;
iv) criaria grande custo e transtorno às indústrias de cosméticos, pois estas precisariam
obter autorização junto à vigilância sanitária como indústrias farmacêuticas;
v) sujeitaria o Brasil a conflitos com os outros Estados Partes do Mercosul, pois toda normatização sanitária sobre cosméticos está harmonizada com base em referências internacionais e não prevê os protetores solares sob o regime regulatório dos medicamentos; e,
vi) deixaria o Brasil, grande produtor e exportador de cosméticos, em posição isolada, com normativa completamente diferente dos regulamentos dos Estados Unidos, Japão e União Européia, bem como de outros países produtores e consumidores de cosméticos.
Na avaliação da biomédica Franciele Kich Giongo, o produto pode até ficar mais barato devido às isenções, mas seu desenvolvimento será mais demorado, pois obedecerá o rito de remédios/vacinas, que demandam várias etapas. “A longo prazo talvez não seja sustentável."
Outro ponto levantado é em relação aos interesses da indústria. "Vai reduzir impostos se tornando medicamento, tudo bem, mas até quanto isso não vai impactar o valor que a indústria não vai querer colocar em um protetor? A indústria vai manter um basal”, aponta.
O SUS oferece protetor solar gratuitamente?
Não. O Sistema Único de Saúde (SUS) não contempla a distribuição do protetor solar. Alguns estados, no entanto, têm programas de distribuição gratuita que contemplam alguns grupos considerados prioritários.
No Rio Grande do Sul, o protetor solar fator 30 é oferecido sem custo a três grupos de trabalhadores que mantêm atividades de grande exposição solar: trabalhador rural, pescador e aquicultor. A oferta, que beneficia atualmente 70 mil pessoas, conforme a Secretaria de Saúde (SES), integra um programa estadual de prevenção e combate às doenças associadas à exposição solar.
O protetor mais caro protege mais?
O que vai definir o nível de proteção do produto é o filtro solar nele indicado. Nenhum produto em uso isolado protege totalmente do sol, por isso o termo “bloqueador solar” foi proibido pela Anvisa de ser utilizado nas embalagens.
No entanto, há uma variedade de produtos nas prateleiras que oferecem, além da proteção, efeitos sensoriais como “melhor aderência na pele”, “evita acne”, “não arde o olho” e “protetor com coloração”.
Esses produtos passam pelos mesmos testes que os demais na Anvisa, lembra a biomédica Franciele Kich Giongo, mas o uso de novas tecnologias e o valor agregado à marca fazem com que custem mais do que os protetores solares mais comuns. “Aquele produto é melhor, porque a experiência do consumidor foi agregada a isso”, avalia.
Quem está mais suscetível a ter câncer de pele?
De acordo com dados do Ministério da Saúde, as faixas etárias com maior volume de casos são acima de 80 anos, de 65 a 69 anos e de 70 a 74 anos, respectivamente. Em contrapartida, os grupos com menos casos registrados são os que vão de 25 a 29 anos, de zero a 19 anos e de 20 a 24 anos.
Para a dermatologia Juliana Kida Ikino, o alto número de casos de câncer de pele é, dentre diversos fatores, um reflexo de hábitos de 20 anos atrás. “A gente tinha a cultura do bronzeamento, o uso de substâncias para bronzear, até caseiras. 'É bonito e a gente tem que se torrar, né?'".
Juliana, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia - regional Santa Catarina, lembra que a popularização do protetor solar é recente. "Ele começou a existir a partir da década de 80 e sua disseminação ainda é muito nova." Assim como são recentes as campanhas de prevenção ao câncer de pele – a feita pela Sociedade Brasileira de Dermatologia existe há 20 anos.
Em 10 anos (entre 2013 e 2022), o Sistema Único de Saúde (SUS) fez o diagnóstico de 278.748 casos de câncer de pele no país. A população com mais de 50 anos foi a mais atingida por essa doença. Neste período, houve um total de 467.621 internações hospitalares na rede pública para tratamento de câncer de pele.
O Rio Grande do Sul (48.463) figura como terceiro estado no ranking de internações, atrás de São Paulo (119.503 casos) e Paraná (71.515).
Correio do Povo
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