Psico-Socializando por Henrique Weber

O Bullying na escola e a família violenta

Parece que estou vendo agora, aquela confusão na escola em que um aluno, ou um grupo de alunos, ficam perseguindo o seu colega, espezinhando, não deixando ele em paz durante o recreio, no início ou no final das aulas, ou comentários maldosos no intuito de excluir uma colega do grupo, diminuí-la, imprimir uma marca de força e domínio sobre a pessoa. Aí, eu penso mais além, como é a casa desses alunos, e vejo uma mãe atarefada, sem paciência, descrente de uma solução para o seu problema familiar, estressada, resolvendo tudo aos berros. Um pai ausente, confortavelmente alienado desses problemas dos filhos. São situações comuns que vivemos no dia-a-dia.

O Bullying significa uma agressão física ou psicológica, com caráter persistente, de uma ou mais pessoas para com uma vítima. Uma perseguição intencional com o intuito de intimidar, abusar, dominar, excluir, humilhar. Na escola é bem comum: o aluno agressor escolher um traço, uma característica ou uma fragilidade do colega, e fica insistentemente repetindo uma agressão, como alguém que fica na "cola" da pessoa, sem descansar. O problema não é de índole da criança, isto seria apontar o dedo para ela, num gesto de violência também. Então, precisamos entender o contexto do problema do bullying.

Uma coisa está clara para mim: a agressão não é o problema central, mas a falta de percepção que o ato agressivo está prejudicando o colega. E amplio que esta falta de percepção é geral, tanto dentro da família, quanto dentro da escola. Acontece em todas as classes sociais por razões diferentes, mas com a coincidência quanto à falta de acompanhamento do filho, e a falta de se introjetar as regras de convivência. Vamos pegar o exemplo de um tipo de família.

Está sendo bem comum a falta de tempo dos pais para com os seus filhos. Estamos enfrentando tempos de muita dispersão, falta de foco e planejamento de um futuro. Esta perspectiva vai tornando a vida cada vez mais difícil e perigosa, como se estivéssemos diante de um abismo, sendo empurrados para frente e resistindo para não cairmos. São dificuldades financeiras, os problemas giram e voltam para o mesmo ponto inicial, e o apoio vai cada vez mais ficando esparso. Gera dentro da família um ambiente muito tenso, de reprodução da "Lei do Mais Forte", e os pais agem de maneira muito rígida e rancorosa, muitas vezes. O problema escolar de um filho joga um peso grande sobre as costas dos pais, provocando uma desorganização progressiva da rotina. Mas, só é pesado porque os pais não conseguem resolver os seus próprios problemas. O fenômeno central disto é a alienação, ficar alheio, evitar enxergar os problemas, se defender, varrer o problema para embaixo do tapete. Os pais usam esse mecanismo de defesa ou por opção, ou por cansaço (sensação de fracasso). Deixaram de encarar a face de um problema impactante tentando conviver com ele, empurrando-o com a barriga. Assim, os pais ficam alheios de escutarem seus filhos, escutarem as suas necessidades. Ao invés de tratá-los como um indivíduo único, singular e com o seu próprio brilho, tratam-os como um objeto que tem que estar carregando embaixo dos braços. Deixaram de se conectar com os seus filhos (diante de tantas outras conexões dispersantes).  Fogem de escutar os professores, a avaliação de um profissional de saúde, de um psicólogo. A falta de contato dos pais com os filhos gera na criança um colchão de desamparo, uma ansiedade, uma carência cujo resultado é a agressão na escola. Agredir é uma forma alienada de lutar contra tudo isto.

A tensão familiar, fator importante para entender este tema, também ocorre na família dos professores. Estes vivem um excesso de trabalho, que acaba se estendendo para dentro de sua casa (trabalho extra não-remunerado); a desvalorização da profissão, do salário,  da falta de investimento em capacitação, por parte da política pública; a perda de autoridade frente aos jovens (mimados ou perdidos), mas também  frente aos pais dos alunos ( o que gera agressão). Temos que cuidar melhor de nossos professores pois, eles estão se desacreditando do seu próprio potencial (individual e enquanto classe) de formar os alunos difíceis, de imprimir uma marca positiva em seus destinos. Muitos professores têm perdido a vontade de sonhar por uma educação melhor, e têm se tornado conservadores, moralistas, acríticos, rígidos. A questão é que ele vai deixando a dimensão técnico-pedagógica (que aprendeu nos bancos escolares) e passa a adotar a dimensão julgadora e afetiva. Ele tem tomado as dores dos seus alunos, tem investido o seu afeto para cobrir a falta de maternagem/ paternagem na vida da criança. Antes, se adotava o castigo, hoje, não pode mais, porém não se tem conseguido encontrar uma solução racional e crítica dentro da escola São soluções individuais para um problema que é coletivo: o reforço da norma escolar.

Assim, quando acontece um bullying, que é um desrespeito a esta norma, alguém precisa socorrer e aplicar uma sanção. Mas, este incômodo problema sempre acontece no intervalo das aulas, na chegada ou saída do trabalho, nos horários mais indesejáveis. Eu escuto muito dos alunos que os professores não fazem nada. É verdade... igual a uma mãe, é um problema que não se quer enxergar, que se evita se ocupar, é um incremento de trabalho nas costas do professor. Quando não se ataca o problema, e deixa o bullying continuar, a mensagem que passa é "não tem problema transgredir as regras da escola".

Então, para enfrentar a "Lei do mais Forte" das crianças (a reprodução da violência), a escola precisa retomar as regras de convivência (organização escolar), conseguindo uma aproximação da comunidade escolar com o aluno. Que este não seja visto apenas como um desempenho, mas com necessidades que vêm do seu ambiente familiar. Pode-se reunir um tempo de cinco minutos, antes ou depois da aula, para uma conversa sobre as regras escolares, sobre o reconhecimento das necessidades do outro, um espaço de fala, um diálogo legítimo, não burocrático, para que saia da alienação. Também, que busque a mediação dos conflitos, promovendo que cada aluno assuma a responsabilidade pelos compromissos pactuados. A promoção do diálogo tem que ser uma comunicação clara, e que não seja moralizante ou ameaçadora, mas compromissada com as pessoas. Quando as regras são obedecidas por todos, é mais difícil alguém querer infringí-las. Também, mostrar o valor do respeito como construção de relações dignas e confiáveis. É preciso reconhecer a necessidade da boa convivência escolar, e assim, quebrar com a alienação, com o alheamento de si. O bullying pode ser um problema de desamparo, de alienação, dentro da família, mas a solução está dentro da escola.

 

Henrique Weber 

Psicólogo clínico, Palestras e atendimentos on-line

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