Psico-Socializando por Henrique Weber

Virou a mesa da discórdia (sobre as brigas de família)

Quando você pensa numa mesa, o que vem a sua mente? Aquele encontro de família para almoçar ou jantar, o sentimento de comunhão, a confraternização entre irmãos, a união e o reforço dos laços entre o anfitrião e os convidados.

A imagem mais marcante é a da “Última Ceia de Cristo”, onde Jesus reuniu seus discípulos um dia antes da sua crucificação (da sua morte). Jesus pegou o pão (representando o corpo) e dividiu em pedaços, também dividiu o vinho (representando o sangue) e distribuiu a todos os presentes. “Façam isto em memória de mim” (Lucas, 22:19) foi o que Cristo disse. Era a mensagem da ressurreição, mostrando o sacrifício de sua morte, e a sua vitória completa frente ao Mal. E também, o valor da caridade, da solidariedade, da comunhão. Atualmente, celebramos o nascimento de Cristo na noite de Natal, preparando uma mesa farta a muitos convivas.

Interessante pensar neste corpo dividido em partes, regado a sangue, pois remete ao que está na mesa como o sacrifício de alguns para alimentar os outros: o sacrifício dos animais, da colheita, do trabalho, etc.

A mesa, mais do que um símbolo do encontro, carrega a ideia de ser um espaço para lidar com as desavenças, o lugar para se passar a limpo uma história. Portanto, pode trazer a ideia de ruptura, de excesso e de morte também. Quantas festas de família terminaram numa briga generalizada?

Façamos um exercício de imaginação:  uma festa muito aguardada com o intuito de encontrar com pessoas que amamos, mas que há muito tempo não vemos. Uma data única. Também, carregada de ansiedade, um sentimento que invade o peito, de coisas que não desejamos entrar em contato. A violência não é algo incomum, ela está no meio de nós, e ao longo do tempo, ela se transforma em conflito velado ou latente. Pois bem, as pessoas vão chegando e se aproximando, procurando os seus lugares, sentam-se à mesa, e estão controladamente se descontraindo. O vinho está presente para relaxar e brindar a alma. Logo, é preciso encarar a pessoa que lhe causou um dano. Sinais sutis vêm impactar o coração,causam uma tensão desconfortável e uma pulsão disruptiva. Aquele segredo constrangedor se anima e circula nos corações e mentes dos irmãos presentes. Logo, ele é revelado.

Um conflito numa festa de família em volta da mesa pode ter o seguinte enredo: após a revelação do segredo, alguém toma a frente para colocar panos frios; alguém se identifica com a vítima e vai em sua defesa. O agressor é aquele “mais forte”, que não é necessariamente o pai, mas sim “o protegido” ou “o doente”. Ele tenta se segurar naqueles familiares apaziguadores, que  evitam o contato com a dor. O conflito começa a sua escalada. Vai se perdendo o controle, e o fogo cruzado se inicia com provocações e novas revelações. Quem tem mais poder é quem mais sabe. É comum apunhaladas, mas agora, vem uma pelas costas, eis a revelação de um fato novo de quem nem se suspeitava estar envolvido nesta trama. Também se ataca quem estava quieto numa demonstração de entropia, de caos. Aquela briga que começou com dois protagonistas na cena, agora ganha novos contornos na célebre frase: “ Agora, deixa eu falar algumas coisas sobre você também”. Ao final, a batalha é de todos contra todos, em pareamento ou em grupo.

A mesa não revela só a união, mas a barbárie, a violência. A ira tem um objetivo claro: a destruição moral do outro, o seu aniquilamento real ou psíquico. Todos saem feridos, mesmo aquele que não aguentou tanta emoção, e precisou fugir para o mais longe possível, vindo a ser amparado por alguém que não tinha nada a ver com a história, alguém recém-chegado na família. Papéis são estraçalhados: o protetor vira o algoz, a pura a meretriz, rivalidades e complexos de superioridade ou de inferioridade são ressaltados, assim como os preconceitos e o desejo homicida.

Você pode buscar no cinema, nos livros, esta temática. Eu me lembro do filme dinamarquês “ Festa em Família” (1998) de Thomas Vinterberg, do movimento Dogma 95, em que a ira dos filhos se endereçam ao pai abusador numa festa regada a vinho. Ou, no episódio do casamento do filme argentino “Relatos Selvagens” (2014) de Damián Szifrom, onde a noiva descobre a traição do noivo em plena festa, depois da missa e do “Sim”, regado a champagne. Ela não controla a emoção e explode gerando situações que destroem a festa. Sei que muitos reis da Idade Média gostavam de ver as execuções de prisioneiros, no período da Inquisição, sentados à mesa, comendo e bebendo. No livro “O Banquete” de Platão, Sócrates se reúne com os amigos para celebrar o prêmio literário de Fédon. Cada um dissertava sobre o “Amor”, regado a vinho. Ao final, Alcebíades, que era apaixonado por Sócrates, mas que não só não era correspondido, como via o seu amado admirando o homenageado da noite, toma a palavra e começa a atacá-lo com palavras que mostram que o amor não é só um sentimento de união angelical, mas uma força disruptiva e destruidora. Na mitologia grega, a história dos Centauros – animais metade homem (inteligência), metade cavalo (força) se inicia num casamento em frente a uma caverna rodeada de árvores. Entoa-se o canto nupcial e embriagado pelo vinho, Eurito, o mais brutal dos Centauros, se apaixona pela noiva. “Sem demora, são derrubadas as mesas, e a desordem toma conta do banquete” (Ovídio - livro “Metamorfoses"). Uma verdadeira barbárie, e a violência gratuita toma conta da festa, com esquartejamento de corpos e muito sangue.

Penso que Jesus traz na cena da divisão do pão e do vinho, o exemplo do Bem, que este seja semeado e introjetado no corpo e na alma de cada um. É o amor e a violência num único ponto, onde se triunfa sobre o Mal. Mas, a violência está presente e Cristo lembra que cada um tem o livre-arbítrio quando a reunião é em volta da mesa. A injúria e a traição está simbolizado em Judas Iscariote, que está entre os convivas. A Igreja Católica talvez busque suavizar essa realidade violenta, porém suaviza a mensagem, negando a realidade. Então, quando fores participar de uma mesa numa festa de família lembre-se do que Cristo disse na Última Ceia.

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